Cinco poemas de Fabrício Marques
















NÓS, O DESOCIDENTADO

Saiamos
de aldeia
em aldeia
à procura do desocidentado.

Vocês que nos seguem
peçamos que fiquem conosco.

Alguns ficavam. Alguns ficaram.

A expedição se reinventa a cada passada.
Desviemo-nos dos silvos das balas.
Evitemos o zunir das flechas.

Sigamos o doce chamado que parte
da floresta, misturando os tempos.

Seguíamos seguiremos em direção
à República Musa Paradisíaca.

O sol que nasce ensina.
O sol que se põe ensina.

O corpo da escrita e o corpo da terra
conversam entre si, nos incluem
e se multiplicam.

Soubéssemos saberemos
talvez tateando
reconhecê-lo
quando o encontrarmos.

E dentro de seus olhos
os mais limpos olhos os mais escuros
(tanta coisa se passa no escuro)
veremos a mesma estrela esfaimada
que viaja nos nossos
e por vezes nos aturde.














PARCAS, HARPIAS

Lá vão as parcas
pelo caminho.

Logo acima, harpias
não soltam um pio.

Vistas de cima,
as parcas são
tão pequeninas.

Caçam suas presas
de hálitos aspérrimos.

Vistas do chão,
harpias também
são pequeninas.

Caçam suas presas
de hábitos crepusculares.

Anunciam as parcas
nas suas comarcas

os dias líquidos
e os liquidados.

Harpias harmonizam
em seus domínios

a vida vivida
e a imaginada.

Lá vão as parcas.
Acima harpias.













GATILHOS (3 MÁQUINAS)

Mal nasce um ritmo
e no baile já se reconhece
outro ritmo.

Nem bem a nuvem
conclui a sua forma
já se dissipa
na aragem.

O inseto sentado
no retrovisor
segue em frente.













CAVE CARMEN

                                         A Maria do Carmo Ferreira


Na clara manhã
- legumes em júbilo -
Carminha conduz
a facção dos famintos.

Maria do Carmo
Carminha máxima
o silêncio tão seco
in extremis desarmo.

Repare à sua volta:
não é só com a palavra
que é preciso lutar.

Cave Carmen,
a vida é sozinha
e ainda por cima
extorque da voz
a inútil canção.

Maria do Carmo
jardim de cardo
carmim amorável
da vinha de Deus.













LIFE LONG LEARNING

Aprender
esta manhã
a vida inteira.

Esta ventura
de atravessar
toda a videira.

Esta manhã
não teve ensaio:
chegou irrepetível.

Manhã tão real,
quase de carne e osso
de se pegar com as mãos.

Esta manhã
que gosta de existir
me faz seu cúmplice.

Esta manhã
agora.

Este agora
para sempre.









 Fabrício Marques nasceu em Manhuaçu, Minas, em 1965, e mora em Belo Horizonte desde 1992. Publicou os seguintes livros de poesia: Samplers (Relume Dumará, 2000, Prêmios Culturais de Literatura do Estado da Bahia), Meu pequeno fim (Scriptum, 2002), A fera incompletude (Dobra Editorial, 2011, finalista dos Prêmios Portugal Telecom e Jabuti) e A máquina de existir (Pedra Papel Tesoura, 2018), de onde foram extraídos estes poemas.









Imagens: Marcel Janco

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