Seis poemas de André Luiz Pinto
FACE
OU FALSA
1. O
livro liberta todos os tiros.
2. Escrever
como
quem prescreve
armistícios.
3. Um
leão de seda.
4. Ranger
palavras
que
nada farão
por
quem as lê.
5. Transpirar
o que
de
fora para dentro
abocanha-se.
6. Verbos
soltam-se do limo.
7. Decifrar
nos
provérbios
a
lição das pedras.
8. Pedras
amamentam seus filhos.
9. Vultos
espreitam a noite.
10. Antieuclidiana
semente.
11. Falsificar
o
sentimento
em
promissórias literárias.
12. Um
ritmo
sem limites
13. até
o desgaste.
14. Arrancam-se
flores
15. num
estágio
de
carne
16. um
estado de pedra.
17. Um
semblante
de
poeta
é
sabedor de desconhecidos.
18. Línguas
necessitam de fofoca
19. (segredos
à distância).
20. Fazer
segredos
em
sete mil feitos
21. sete
mil
jeitos ao desenhar
o nu vestido.
22. Aplaudir
o poema
em sua intransigência.
23. até
o princípio
porque
24. palavra
de carne
não melhora
25. nem
o prolixo
restrito
26. corpo
de poema
na várzea de um rio.
(de Flor à margem, 1999)
O
medo certo, na hora certa
quando
abrem teus olhos.
Notares
sobre a cama
teu
cigarro acendendo.
Do
que se apaga, exala
o
incêndio em sua outra face.
Do
que se extingue, expande
um
verso que nunca se apague:
o
medo certo, na hora certa
quando
fecham teus olhos.
(de Flor à margem, 1999)
DA
PRIMEIRA VEZ
O
pano
cai
e amortalha teus olhos.
Sorris
ao
mínimo contato.
O
pano
cai
de soslaio.
Tua
língua
tem
saliva grossa e espuma.
A
leve ondulação
de
uma pluma
estremece
esse
muro de aço.
Fera
de giz, desalinho,
tantas
dores cicatrizavam no ato
enquanto
o pano
caía
no
quarto.
(de Flor à margem, 1999)
Onde
ando, todos me conhecem:
– Lá
vai o homem da flor.
Ninguém
sabe dos meus pecados com Deus.
Sou
um homem para menos.
Minha
vida escorre a ladeira.
Não
creio em azar. Não por ser otimista
Mas
por saber que a sorte é rara.
Sempre
ando pela esquerda.
Todos
os livros abrem apócrifos.
A
pessoa que procuro não sou eu.
(de Flor à margem, 1999)
O
menino olha pela última vez o espelho d’água.
Seus
olhos castanhos
o
rio levou.
(de Flor à margem, 1999)
AFASIA
O nome,
eu esqueci, mas está na gaveta do armário.
Tem um
nome para
quando
a gente entende a coisa
mas não
como se fala.
É uma
doença que parece um fogo brando –
e que a
poesia, às vezes, ajuda.
Nas
horas mais agudas
costumo
olhar para o céu
e assim
ganhar tempo
de
tirar, da cartola, a tal palavra.
Outra
palavra parecida é perdão.
Ioga em
que se obtém calma e paz.
Sinceramente,
não lembro se um dia perdoei...
Mas
fingir que não se lembra
sinaliza
nada. Muito menos charme.
(inédito)
Imagens: Geoges Braque
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