Quatro minicontos de Claudine Duarte




FERIADO

Escutou a brincadeira das crianças pela janela aberta. Memórias coloridas avançaram em rodopios, desbotadas. Misto de sol, poeira e um quase estupor. Arrancou a gravata e jogou os óculos sobre os papéis  —  talvez festejassem nuvens. Empurrou a gaveta, pesada. Espreitaria gargalhadas, ainda não era a hora de morrer.







PORTA-RETRATO

Ele disse que voltava e se foi num dia de sol. Ela mantém o guarda-chuva fechado e inventa pequenos milagres. Ele deixou seus livros, embalados. Ela usa o vestido vermelho e retira o pó das caixas, empilhadas no meio da sala. Ele não gostava do meio-dia dos domingos. Ela queria tanto uma foto dele... uma em que tivesse os olhos abertos.







RESCISÃO

Certo, você disse. Certo, eu respondi. Você nem abriu a porta. Nunca foi um lugar. Nunca foi uma data. Nunca, foi assim.







LIMIAR

Ela ficou sozinha na livraria, ouvia estranhos. Um poema e dois contos depois, vibrou um sonho. Tela azul, borboletas amarelas e um tear improvável. Estrelas absurdas boiavam, decadentes. Chacoalhou os buracos no peito, todos... e pediu outro café.


[do livro Desencontos, 2018]






Claudine Maria Diniz Duarte nasceu em Anápolis, Goiás, em 1962, e vive em Brasília desde 1979. Com grande pluralidade artística, formou-se em Arquitetura e Urbanismo pela UnB, atuou como executiva no mundo das tecnologias da informação e comunicação, e hoje é ativista na formação de jovens leitores, coordenando o projeto Calangos Leitores. Apaixonada pelas palavras e seus ‘ajuntamentos’, é leitora voraz e desde 2016, se dedica a adaptações literárias para o teatro. Adaptou e dirigiu os espetáculos Uma Criatura Dócil, de Fiódor Dostoiévski, e O Legado de Eszter, de Sándor Márai. Integra o movimento Mulherio das Letras e é uma das fundadoras do Coletivo Editorial Maria Cobogó. Em 2018, publicou Desencontos (no qual estão estes minicontos), seu primeiro livro, e foi finalista do Prêmio Jabuti.


Imagens: Ben Raynal

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