Cinco poemas de Noélia Ribeiro




PAIXÃO PELA PAIXÃO

O apaixonado entra no mar
sozinho, cego ao objeto, que,
esquecido entre as pedras, espreita-o.

A onda incita o prazer.
A espuma ameniza o desassossego.

A suposta metade, deitada na pedra,
sucumbe ao calor, enquanto ele
brinca na água como um garoto.

Ao seu coração entusiasta
o espelho cristalino basta.

Imiscível, a paixão prescinde do outro.






GUERNICA

Há um quê de desumano em meu abraço
Não percebe?
Possuo destroços em lugar de órgãos
infortúnios de um tempo sem pecado
o traço de Picasso na face
e nas extremidades pequenas avarias

Creia:
houvesse algo entre nós, desmoronaria






DESJARDIM

Ele: malmequeres
Ela: bem-te-vis




ASTRONAUTA
                           (a meu pai)

O olhar atento da menina
à imagem
do astronauta flutuante
pisando a lua pela primeira vez

A mesma lua
à qual ela pedia em prece
o retorno do pai

O pai passou a morar na lua
e no seu coração
sem gravidade

A ausência ficou mais leve
como Armstrong
A tristeza,
guardada dentro da TV






PRESSA

Do poema que fiz
sobre sua falta
de tempo
ele só leu
o título









Noélia Ribeiro, poeta pernambucana, publicou Expectativa (1982); Atarantada (Verbis, 2009), Escalafobética (Vidráguas, 2015) e Espevitada (Penalux, 2017). Formada em Letras pela UnB, tem poemas em antologias e revistas virtuais brasileiras. Em 2017, recebeu da SECULT-DF o Prêmio FAC – Igualdade de Gêneros na Cultura. É sócia da ANE e da UBE-RJ.




Imagens: Pablo Picasso

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