Cinco poemas de Matheus Bibiano Branco




Surrealista

Os passos lá fora
Daqueles que estiveram aqui.
O vaso com o anagrama
Emite o resto de falas
Ainda, assim, presentes;
Nutro-me da embriaguez
Tão sólida de arte,
E a mão que o moldou
Faz trincas em meu pensamento:
“Como são vivos os antigos.”.
As pálpebras cobrem
O corpo coberto de maresia;
É dar corda ao horizonte
Pra ele ir despertando
Com testa e gema.







Presídio na Avenida Cruzeiro do Sul

Os pavilhões deitaram sem piedade,
E assim que esse corpo de concreto
Deitou sua costa de poeira e ruínas,
Homens deitaram-se bruscamente.

Se antes, se depois, pouco importa:
Os homens deitaram sem temer
As noites de ratos, o salitro, o artigo,
O guarda sem visão da marulha.

E as correntes dos ventos vindos
Da linha do Equador, da Amazônia,
Passaram pela continuação dos furos
Nas paredes, nos dentes, nos homens.

Mas se deitaram tortos assim,
Fez-se pleno e indiferente
O medo que se me arrebenta:
Os homens deitaram em mim.







Sem tempo para chegar
(Para Alberto Bresciani)

I
O falcão posou, e as pontas das garras
Firmaram um pacto com nossos poros.
Há de chegar a vez, e isso digo baixo,
Que nem garras, nem poros, nem cenas
Serão lembrados e fracos a duras penas.

II
São três as espécies de morcegos
Hematófilos, que, se não fazem medo,
Jamais chegarão à casca da carnadura
Que em pratos jogastes a mesa.
Entretanto, não a comeremos
Com o risco de que ela nos engula
Antes mesmo de a desejarmos.







Boliche

Vejam a multidão na calçada
Vastamente veloz de sono,

É falsa a ilusão de que não pensam,
Como também é falsa a ilusão
De que sempre escarram na pressa.

Se estão parados, sabem chorar,
Se estão em ogivas, respiram,
Se estão famintos, desejam.

Aos finais de semana,
Vão em busca da alegria,
Ao invés do descanso
E esse é seu presságio,
O que não os isenta.

Na multidão, de todo modo,
Sabe-se que às setes em ponto
Uma bola pesada rolará num lance,
Colocando cada um em seu canto.







Anedota cordial

Tive filhos, sim,
Isso não faz diferença nenhuma
Nesse novíssimo país do futuro futuríssimo.
Eu mesmo venho de onde falta
E lá cada um vive ao seu jeito:
Não há verdes mares, lindos campos,
Não há o que fazer.
Não tenho que entregar a Portugal o coração avergonhado
Nem lhes cantar meu sobrenome patife,
Sequer dar a França um francês que não vai à terra.
Do lado de cá,
(Onde os tijolos alarajam os morros)
O domingo é de feira e nele tem garapa,
A semana inteira tem garapa
Garapa nas câmaras, chiclete de garapa, feriado garapeiro...
Prosperidade universal do reino das garapas!
“Ah, mas e a Ambev, o Safra?”, me dizem os de justiça.
Oras, o que são eles se não a fonte das garapadas mais distintas?
Como disse Lemann: “já imaginou uma garapa brasileira
Perder pra uma garapa boliviana?”

Bem, se tivermos uma revolta séria,
Chamaremos a Revolução das Garapas, na Sierra Garapia.
Se você não teve filhos, não o sinto,
Advirto que eles perderão a garaparia...
Os meus talvez chorem garapa, e se errarem o choro,
Talvez chorem soja nos bois.









Matheus Bibiano Branco é de Garanhuns, Pernambuco, mas mora provisoriamente em São Paulo, Capital. É autor de Entre o beiral e o abismo (Editora Patuá, 2019), Menção Honrosa no Prêmio Maraã de Poesia.







Imagens: Vladimir Kush

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