Cinco poemas de Alexandre Marino
Minibio
Alexandre
Marino veio de longe,
por amor às
distâncias.
Jamais
chegou. Cansado de ilhas,
anseia
desertos e horizontes.
É poeta à
deriva
em mar
incendiado.
Afoga-se
entre as cinzas e o óleo,
sob a lama
das barragens
e os
escombros de um país que desaba.
Por não se
dar bem com o mundo
inventou uma
Pátria, Exília,
inútil
abrigo.
Vive entre
hiatos e fermatas,
lapsos de
sonhos,
memórias
inventadas.
Tentou
prever o futuro,
mas foi enganado
pelo delírio
dos búzios.
Procura a
poesia nas profundezas
mas não
distingue mais as cercas
ou as cores
das fronteiras.
Não sabe o
que virá ao atravessar a fenda,
um raio de
luz,
outro
planeta, uma cidade fantasma,
mas cultua
essa dúvida
como o
tesouro que lhe falta.
A ilha deserta
Para Nádia,
com amor
Eu levaria
você para a improvável ilha
e nada mais
levaria.
Estou
cansado de pessoas e bagagens,
exausto de
fugas e argumentos,
e quero
fazer amor em silêncio
numa ilha
sideral,
sem sinal de
gravidade.
Uivo diante
do ganido
de lobos
fantasmas
que invadem
a intimidade
de nossa lua
solitária.
O mundo está
cheio de animais selvagens
e más
notícias.
Quero nossos
olhos imunes ao desassossego,
aos testes
nucleares,
ao estupro
das palavras.
Fazer amor
longe do céu e do inferno,
desaprender
a língua dos homens,
compor um
poema delirante,
farol para
os insanos.
(De Poemas por amor,
2007)
O oboé
A sombra de um oboé
junto aos cacos
de um candelabro,
A música do tempo
nessas tardes de silêncio,
O espectro do campanário,
o sorriso dos mortos,
entre paredes demolidas
e sua abstrata aspereza,
As serestas,
o silvo do vento
e das calmarias;
O suspiro
das noites de tristeza,
A alma do oboé,
prisioneira do antiquário,
e seu choro
quando sopra a ventania.
(De Arqueolhar,
2005)
Davi contempla o mundo
Davi não compreende nosso castigo,
as angústias de agosto,
pavores vindos com o poente.
A ilusão de ter nas mãos a cabeça da
besta,
o sonho de estar vivos.
Talvez se compadeça dos seres
efêmeros,
símbolos imperfeitos refeitos no
espelho.
Está prestes a chorar, a curvar-se,
acolher os sonhadores,
entregues à última catarse.
A seus pés me ofereço, escultura sem
arte,
à contemplação, ao acalanto futuro.
A cada dia Davi cumpre a missão
de desnudar esses corações de mármore
e apequenar os gigantes de carne
que veneram a delicada pedra.
Davi faz um gesto suave
e demasiado humano
para consolar a obra incerta,
laço fraterno
entre seu cenho franzido
e meu tosco olhar.
(De Exília,
2013)
Os vastos horizontes
do meu silêncio
Tenho andado distante de
tudo.
Não levei tiros em Paris
naquela noite.
Não me afoguei no tsunami
de lama
embora ainda padeça
de certa rouquidão.
Fui o único sobrevivente
daquele barco no
Mediterrâneo
mas permaneço
desaparecido.
Mantenho bizarro diálogo
com árvores mortas.
Crianças abandonadas
chamam inutilmente por
mim
ao chorar.
Às vezes encontro o mundo
e não sei onde estou.
Me perdi numa infância
que sobreviveu a mim.
Tento atravessar a nado
os vastos horizontes do
meu silêncio
mas sou viajor de
quintais
e me guio pelos realejos.
Humanos se mudarão para
Marte
e ainda nem cheguei à
Terra.
(De Hiatos,
2017)
Alexandre Marino, mineiro de Passos, publicou
sete livros de poemas, entre eles Arqueolhar
(2005), Poemas por amor (2007), Exília (2013) e Hiatos (2017). É jornalista e sobrevive em Brasília.
Imagens: Arshile Gorky
Xará, poeta fino. O primeiro, acho que inédito, não?, é certeiro, escrito para esses dias.
ResponderExcluirObrigado pela leitura, Xará!
ExcluirQue poeta grande, o Alexandre Marino. Parabéns.
ResponderExcluirObrigado, Virgínia.
ExcluirFeliz eu, que tenho esses poemas e todos os outros dos livros do poeta junto à cabeceira! Privilégios de prima de poeta de verdade!
ResponderExcluirQuerida prima, sua leitura me deixa orgulhoso!
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