Três poemas inéditos de Adriane Garcia (para Arraial do Curral del Rei, a desmemória dos bois. Coleção BH. A Cidade de Cada Um. Conceito Editorial)
IX
É
por milagre que as serras minam
Seus
pés molhados começam riachos
Da
pedra chorosa – fixa mudez
A
esperança de voz das águas
O
mundo começa no Acaba Mundo
Minha
Mesopotâmia sem história
Sem
Tigre, sem Eufrates, cerâmica
Eternamente
argila das encostas
As
suas primeiras casas, rústicas cafuas
Desenho
de criança, sapê e pindoba
A
lamparina acesa – quem esses seus mortos?
Nada
sei do bem e do mal que lhes habitou
Sei
que o fio escorre – o vale
Sei
da capela para gente de passagem
Sei
que se desejava boa viagem
Aos
que partiam e não voltavam mais.
XXVI
A
floresta dos arbustos balança ao vento
É
tempo das flores amarelas das arrudas
Coroam
as margens, na ondulação do rio
E um
cheiro forte mapeia as águas
É
pelas mãos de Emerenciana que os meninos nascem
Que
as meninas choram pela primeira vez
É
também por suas mãos que muitos não chegam
À roda
que mói os enjeitados
Às
vezes, buscam-na, em casa, para outras freguesias
Segue
ela calada, seu jeito de sempre
De
quem se acostumou com a morte
De
anjinhos
Leva
instrumentos, cachaça, artemísia
(um
ramo de arruda atrás da orelha
e
muito mais para o chá).
XXVIII
Acordam
cedo, é junho
E
seguem para o algodoeiro
Os
galhos estralam, estão no ponto
Para
suportar a explosão dos capulhos
A
flor é leve, é flor de nuvem
Mas
tantas são que fazem nevoeiro
Os
braços cansam, o dia inteiro
No
sol que escalda e entristece os frutos
Sacos
de linhagem vão ficando cheios
E se
de nuvens, de onde vem seu peso?
Parar
pro almoço, pequena sesta
Tirar
chapéus, falar do alheio
Mais
tarde a volta, a plantação é grande
Nos
dias próximos, descaroçamento
E
tudo segue, fibra na roca
E
vão assim, para quem tecendo?
Adriane
Garcia é poeta, nascida e residente em Belo Horizonte. Publicou Fábulas para adulto perder o sono
(Prêmio Paraná de Literatura 2013, ed. Biblioteca do Paraná), O nome do mundo (ed. Armazém da Cultura,
2014), Só, com peixes (ed. Confraria
do Vento, 2015), Embrulhado para viagem
(col. Leve um Livro, 2016) e Garrafas ao
mar (ed. Penalux, 2018). Estes poemas são para Arraial
do Curral del Rei, a desmemória dos bois, Coleção BH. A Cidade de Cada Um, Conceito
Editorial, a ser lançado em breve.
Imagens: Google
BÂo demais
ResponderExcluirObrigada, Salomão.
ExcluirAmei! Cada um mais impactante que o outro!💚
ResponderExcluirObrigada, Milza.
ExcluirExcelentes! Parabéns! Aguardemos o livro.
ResponderExcluirObrigada, Maria Francisca.
ExcluirExcelentes! Deu pra imaginar a beleza do livro, na história que antecede BH.
ResponderExcluirObrigada, Lou. Fiz esse livro com muita vontade de fazer. Beijo
ExcluirEita...
ResponderExcluirObrigada pela leitura, Anizio.
Excluirputz - este vai ficar na história - pela amostra, é o melhor livro de adriane garcia!!!
ResponderExcluirLíria, querida
Excluirque feliz que gostastes! Beijo.