Três poemas de Rogério Leone









Phillip

Phillip Seymour Hoffman não viu a cidade mudar de perfil
Não viu arrancarem a pedra do caminho
Nem o abismo que ficou no coração de Itabira
Não viu Vicente Celestino bêbado devorando
Uma pequena boneca de carne
No picadeiro do Gran Circo Loran perto daqui
Phillip Seymour partiu os óculos num dó de peito
Matou pai e mãe por sina
Encheu a cara de gasolina azul
Na dobradura da esquina de Vanzolini
(Era uma tarde de quinta-feira)
Phillip Seymour Hoffman não viu os nossos meninos 
Conduzidos à câmara para serem cozidos vivos
Não viu o bacanal das bestas das bestas das bestas na bastilha
Nem ouviu Silvio Caldas fazendo serenata
Para a mulher crucificada e nua
Seymour não viu a rua repleta de pelourinhos e açoites
Punhos fisting dedos degolas comida podre
Marchas de ódio e carnaval
Nem estava aqui quando a Estrela Dalva disse boa noite, querido
E dormiu antes de soluçar alguma paz
Seymour estava muito ocupado acreditando em mim
Acreditando em mim feito um Capote
Na minha culpa, minha máxima culpa
Que me esfriava a medula e me paralisava
Como uma estalactite na ponte velha de Florianópolis
Phillip Seymour Hoffman morreu de frio, ele me disse










Ella

Cortaram os pés de Ella Fitzgerald
Deixaram-na manca sem poder andar
Cortaram a luz o gás o uísque de Ella
Porque Ella não podia pagar
Ella tentando ganhar um dinheiro no sinal
Ella bancando a cega enquanto você lia o seu jornal
Ella comendo sonhos pudim paçoca
Ella querendo alcançar uma vasilha na pia
Porque Ella não podia pagar
Ella não alcançava as notas
Guardadas debaixo de um São Jorge na sala de estar
O bom pra Ella era não saber o que havia
Nem debaixo da unha nem sobre a bancada da pia
Ella cantou uma melodia simples
Uma canção de amor de Waldick
Depois Ella morreu








Jimi

Hoje não saí de casa mas vi umas fotos do Jimi Hendrix
30 fotos do Jimi Hendrix eu vi, 30 fotos
Em nenhuma das 30 fotos ele parecia chorar
Sentir dor ou preocupar-se com o futuro
Da sociedade capitalista ou com a política de natalidade
Hendrix tocando guitarra fumando abraçado ao amigo
Estava feliz como um Jimi qualquer
Em nenhuma das trinta fotos apareceu um pedacinho 
Sequer da tristeza de Jimi Hendrix amanhecendo bêbado
Sem saber onde estivera ontem ou se a dor iria deixá-lo
Ir até onde ele quereria ir depois que o sol se esfriar
Em nenhuma foto Jimi aparece cabisbaixo pensando
Em morrer. Ele mostra o mamilo rijo
Ele espreme lábios e olhos
Ele diz que quer beber. Jimi não quer morrer
Em nenhuma das fotos
Jimi só quer ser eterno e preto





Rogério Leone nasceu em Vitória-ES em 1965. Arquiteto e urbanista (Ufes, 1989), “seresteiro, poeta e cantor”. Publica poemas em rogerioleone@wordpress.com, Facebook e revistas digitais. Escreveu livro ainda inédito As pessoas sob o tapete da sala, de onde foram retirados esses poemas.













Imagens: Google


Comentários

  1. Parabéns!!!!! Quanto orgulho tenho de você. Você é de inteligência rara.👏👏👏💕💕💕💕💕💕💕💕

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