Seis poemas de Mariana Ianelli (para Yolanda Ianelli Fernandez)















Vem! Amanhã começa o mundo...
A primeira luz. O primeiro alento.
O primeiro rosto. O que os outros
Vão dizer? As mil palavras de sempre
Talvez também algumas novas
Mas as palavras, meu amor, as palavras
Ainda nem se formaram: só amanhã
Começa o mundo. A primeira pele.
A primeira lua. O primeiro susto.
O homem que disse, uma vez, sabia:
Nascer é mesmo muito comprido.
Nascer, meu amor, não termina nunca.














Outra criança acorda na criança, ela caminha
Ela fala e sua língua não é a dos homens
Língua de ave, airada, língua que raia, dúctil
A alegria ainda fácil entre os dedos é uma concha
É uma fruta é uma chave é uma folha é uma flauta.













Esse é o jardim das loucuras consentidas -
Uma menina nua corre debaixo das nuvens
Ela grita no vento para ir com o vento
Até as tulipas-do-gabão cheias de chuva -
Estamos na época das orações naturais.














Ela não quer fechar os olhos, é uma vontade
De estar aqui um pouco mais, só mais um gole,
É essa sede de ver que não se deixa adormecer,
Vontade de que a noite transborde, e seja agora
Mais um jasmim, mais um azul, mais uma volta
O corpo já boia no ar entre dois braços, é uma criança
Que dorme, mas é de olhos abertos que ela dorme...













Cada manhã põe nas minhas mãos essas mãos
Sábias de amor, destemidas porque puras de temor,
Ignorantes do que os outros dizem luxo ou nojo,
Essa infância a converter meu tempo em instante,
Essa língua não de palavras, mas de cores, língua que canta
Esse é o jardim das coisas nuas onde nada é escândalo
Nada é ridículo, esse é o jardim das coisas a sondar
Seus nomes, cada dia, cada noite, um rosto novo
O maravilhoso desconcerto da ordem: uma menina -
Saímos a caminhar no meio de uma terra estranha
Os olhos numa pomba, numa pedra, numa velha mendiga -
Aonde quer que vá essa inocência é o meu caminho.














Tudo cabe sem absurdo neste mundo
Que começa agora: papel e tinta, lagartixa, tambor
Uma máscara africana, um espelho, uma cadeira
De balanço, uvas vermelhas, a lua cheia,
Tudo dança com a criança, tudo se irmana no poema.



















Mariana Ianelli nasceu em São Paulo. É poeta, ensaísta, cronista e crítica literária. Seu primeiro livro de poemas, Trajetória de antes, foi publicado em 1999. Foi quatro vezes finalista do Prêmio Jabuti, na categoria poesia, com os livros Fazer silêncio (2005), Almádena (2007), O Amor e Depois (2013) e Tempo de Voltar (2016). Em 2008, recebeu o prêmio Fundação Bunge (antigo Moinho Santista) - Literatura, na categoria Juventude. Em 2011 obteve menção honrosa no Prêmio Casa de las Américas, em Cuba, pelo livro Treva Alvorada, na categoria Literatura Brasileira. Publica crônicas, quinzenalmente, aos sábados, na revista digital Rubem. Como ensaísta, publicou Alberto Pucheu por Mariana Ianelli, da coleção Ciranda da Poesia, pela editora UERJ. Publicou Breves anotações sobre um tigre, seu primeiro livro de crônicas em 2013, pela editora ardotempo, que também publicou seu oitavo livro de poesia, Tempo de voltar (2016). Tem poemas publicados em Portugal, Espanha, França, Hungria, Cuba e Argentina. Estreou na literatura infantil em 2018 com o livro Bichos da Noite, ilustrado por Odilon Moraes. O livro foi incluído na lista dos trinta melhores livros infantis lançados no ano de 2018. Em 2018 participou do circuito de autores do projeto Arte da Palavra, pelo Sesc, ao lado do escritor pernambucano Cícero Belmar. Desde agosto de 2018, é curadora da página "Poesia Brasileira" no jornal Rascunho, publicado em Curitiba. Tem quase duas dezenas de livros de poesia, crônicas, ensaios e infantis publicados. Os poemas desta página são de Canções Meninas (Editora ardotempo, 2019).










Ilustrações: pinturas de Yolanda Ianelli Fernandez 



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