Quatro poemas de Ingrid Morandian, ilustrados por Deborah Dornellas
Por oito horas
há oito horas meu corpo dardeja,
meus dedos buscam suas coxas,
intermitentes
dos lábios sublinho com dedos
o líquido tão morno
a boca muda, úmida de néctar
os meus seios, os seus seios
oito horas de um temporal
sem palavras
sem ventos
e no amar de posições conjugadas
e reentrâncias
as mãos se fecham no gozo
Desacertos
reticentes, os sóis que aportam
em minha janela não são mais os
mesmos
a cidade emudeceu diante do seu
rosto
você envelheceu junto com as cartas
e quem ainda as carrega?
encastelado no 5º andar da Barra
Funda
o seu aceno se perde entre as
árvores
pernas
poemas
centenas de fendas conduzem
à Paulista tão minha
na colisão de tantos desejos
tranquei a boca
mapeada de calçadas
Mulheres da Cordilheira dos Andes
eram três figuras
três figuras femininas que
caminhavam unidas
na noite fria de setembro
haviam se encontrado na esquina
da morada
embrulhadas em casacos e xales
dos seus braços nasciam folhas
comestíveis
derramando líquidos pensamentos
nas paragens
eram três figuras
três mulheres que peregrinavam de
casa em casa,
atravessavam corredores e salas,
buscavam seus filhos na noite
vazia de sons
das suas pernas surgiam raízes
tabulares
agregando imagens oníricas
àqueles
que perderam os sonhos
eram três figuras
três mulheres que carregavam
bacias de água
para que as pessoas pudessem
atravessar a Cordilheira
das suas mãos excretavam flores
amarelas
e açucaradas que alimentavam as
crianças
dos Andes
Abismo
poetizar o mínimo que seja
as linhas dos teus dedos,
tentei voltar para Berlim, mas
as ausências demarcam com cheiros
e pétalas
algumas pedras
quase acertei o destino
escapou
eu o vi correndo
eu tinha um álibi para
prender tua respiração
afoguei incólume entre tuas pernas
do precipício tudo parece mais fácil,
digo, não
escancarada e inaudita
rasguei os punhos
e rezei
nenhuma imagem sobrevive
a tanta solidão
A poeta: Ingrid Morandian nasceu em São Paulo (SP), onde reside. Participou de várias antologias. Publicações: Água Terra Fogo Ar – Crônicas elementais (Editora Uapê, 2011), História intima da leitura (Editora Vagamundo, 2012), Revista Plural 1900 e Revista Plural La barca 2016 (Editora Scenarium Livros Artesanais), Senhoras Obscenas (Editora Benfazeja, 2016). Tem poemas publicados nas revistas eletrônicas Mallarmargens, Diversos Afins, Liberoamérica. Publicou pela Editora Patuá, Se você me amasse, teria fechado os olhos, 2019.
A ilustradora: Deborah Dornellas, carioca criada em
Brasília, vive em São Paulo desde 2011. É escritora, jornalista, tradutora e
aprendiz de artista plástica. Mestra em História Cultural (UnB) e pós-graduada
em Formação de Escritores (ISE Vera Cruz). Em 2012, publicou Triz (In House),
reunião de poemas. Desde 2013, integra o Coletivo Literário Martelinho de Ouro
e participa de todas as publicações do grupo. Foi finalista duas vezes do
Prêmio OFF FLIP (2015 poesia – 5o lugar; 2016, conto) e uma vez do Prêmio
Sesc-DF de Contos Machado de Assis (2016). "Por cima do mar" (Patuá, 2018), seu romance de estreia, venceu o
Prêmio Literário Casa de las Américas
2019, na categoria “Literatura Brasileira”.
Desenhos de Deborah Dornellas
Todos os direitos reservados © Deborah Dornellas
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