Cinco poemas inéditos de Leandro Rodrigues



A GRAMÁTICA DO CINZA

Diluir-se em erros ortográficos
As manhãs cinzas de chumbo
- mas cinza assim não fica no plural... –

O meu cinza grita no plural
          se amplia como as cinzas
          do morto

e as manhãs pesadas de chumbo
         dissolvem-se
            fuligens
                       da cremação do voo.






CADAFALSO

As marcas de um voo morto
açúcares espalhados pelo sótão
do avesso de minha carne
costuramos madrugadas sanguíneas
marchamos para um cadafalso difuso
cores desmembram o laço
no nosso pescoço um pássaro.






OS HOMENS TRISTES

Os homens tristes em pé pela cidade
ocupam ruas, praças, canteiros e lojas
tomam conta das avenidas, parques, viadutos
estações de trem, igrejas, estádios, aeroportos

artesãos da queda
em silêncio, movimentos pausados
olham para o chão, passam as mãos, desfiam
                                                      longas barbas

as sombras curvadas no pôr-do-sol.






MÃES DE JANEIRO            

As mães de janeiro choram a cada lâmina fria
do vento em seus próprios corpos
cada pequena agulhada no ventre disseca
as lágrimas de um novo novelo seco
farpados arames dos dias



As mães atravessam em círculos a praça central
desdobram as cavidades das placentas
comungam gritos insepultos
lápides ainda não terminadas



Num ritual decano reacendem longos pavios
palavras que não morrem
e não se apagam na noite mais escura.  







ESTANDARTE DOS DESVALIDOS

Entre a carne e a cabeça decepada
A simetria da solidão
Blocos de poetas exilados atravessam o centro
Comungam elegias em seus estandartes
                                               de versos quebrados
Rasgam os trapos, as mortalhas no avesso
Fantasias para um novo dia
Os ratos os seguem
Deitam-se nos vãos da prematura veia rasgada
Fetos deformados se juntam nas cores do meio-dia.


Passistas amputados monitoram as migalhas (os poemas?)
Um mestre-sala acorrentado tenta cortar os pulsos
Da bateria tambores de pólvora revestem cicatrizes abertas
No destaque os meninos da Candelária acenam
Na comissão de frente os massacrados de Carajás flutuam sobre o asfalto


No centro uma ala estranha de farda e imponência a tudo observa
Presta-se continência ao silêncio – autópsia camuflada


No enredo: o banzo ancestral da solidão encarnada (cor de sangue).









Leandro Rodrigues (1976) nasceu em Osasco, São Paulo. É Poeta e Professor de Literatura. Já lançou os livros Aprendizagem Cinza (2016) e Faz Sol Mas Eu Grito (2018). Participou das antologias: Hiperconexões 3 – Carbono & Silício (2017), O Casulo (2017), Sarau da Paulista (2019), MedioCridade (2019) e 15ª Antologia SESC Carlos Drummond de Andrade (Brasília). Já teve poemas traduzidos e publicados na Espanha (revista sèrie Alfa) e nos Estados Unidos (revista Dusie Nº 21 da UCLA (Universidade da Califórnia), também em diversos sites, jornais e revistas do Brasil e de Portugal.




Imagens: Sad statue in Reykjavik | https://steemit.com/travel/ | http://futureatlas.com/blog/

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