Cinco poemas de Simone Teodoro
O
Baú I
The
last day of summer,
melancolia escapa pelos fones de ouvido, gás tóxico preenchendo as interrogações das orelhas.
Quando foi que me metamorfoseei em glândula de chorar pelo que
por descuido ou maldade
se derrama?
melancolia escapa pelos fones de ouvido, gás tóxico preenchendo as interrogações das orelhas.
Quando foi que me metamorfoseei em glândula de chorar pelo que
por descuido ou maldade
se derrama?
Quando
estar só é um osso quebrado
delirar dragões que despencam
sinfonias que matam
árvores que apaziguam desalentos
delirar dragões que despencam
sinfonias que matam
árvores que apaziguam desalentos
Como
não ser triste
quando a morte é animal com fome
esperando no primeiro atalho do bosque?
quando a morte é animal com fome
esperando no primeiro atalho do bosque?
Quando
sulfurosa decrepitude
desavergonhadamente
sorve nossa seiva e sonhos?
desavergonhadamente
sorve nossa seiva e sonhos?
Como
não ser triste
quando o que eu mais amo
sem explicação nenhuma
se desvanece?
quando o que eu mais amo
sem explicação nenhuma
se desvanece?
Quando
os brutos
chupam o tutano das costelas dos mansos
em mesas fartas?
chupam o tutano das costelas dos mansos
em mesas fartas?
Quando
os simples
são atirados em compactadores de lixo
quando o chorume é o cheiro do mundo?
são atirados em compactadores de lixo
quando o chorume é o cheiro do mundo?
Como
não ser triste
quando
do Baú de minha infância
exumo cores
claves de sol
e as carcaças de todos os meus cães assassinados?
quando
do Baú de minha infância
exumo cores
claves de sol
e as carcaças de todos os meus cães assassinados?
O
Baú II
O
pai morreu louco
gritando meu nome.
gritando meu nome.
O
céu desbotava em seus olhos.
A escuridão para sempre enterrada em meu peito.
A escuridão para sempre enterrada em meu peito.
(Jamais
haverá cura para minha tristeza).
Todas
as noites
a
chuva fabricava a lama
que incharia seus ossos.
que incharia seus ossos.
Exumados
do Baú da infância
onde a raiz se retorce
onde a raiz se retorce
há
gatos com gestos de príncipes
há
vozes
vertigem
verão
&
voragem
vertigem
verão
&
voragem
há
a velha vitrola enguiçada
o pai jogando o gato na parede
os ossos se partindo
num estalo.
(Jamais
haverá cura para minha tristeza)
Todas
as noites
a chuva fabricava a lama.
a chuva fabricava a lama.
A
escuridão sempre esteve
enterrada aqui.
enterrada aqui.
Pai,
por que você está chorando?
Pai, por que você matou o gato?
Pai, por que deus está mancando?
Pai, por que você matou o gato?
Pai, por que deus está mancando?
Festa
do sal
Arrastando
a
miséria pendurada no nervo
ciático
deliro
o dia
da
inesperada inclinação das retas.
Um
grito de nebulosa
carbonizará
meus olhos
Saberei
de cores pelo olfato.
Condenada
a mastigar formigas
numa festa de sal
(furtando
trajes raros
de
rainhas de Seda)
não
ouvirei a voz de Cristo
através
das rachaduras da cripta
(nos
crematórios,
as
cinzas que seremos)
(toda
vala é pequena
para
a podridão em nós).
Para
sempre
ser
um rio sujo escorrendo
parágrafos
de um folhetim
de
amor e assassinato
fragmento
de universo à deriva.
A
perfeição equilátera
destoa
cruelmente
da
curva desordenada de meus pensamentos
Me
atormenta
desde
a placenta
o
avançar furioso
do
espadachim de lírios.
Meu
coração incinerado
como
olhos despetalados
no
esverdeado era uma vez de estrela.
O
deus que matava os pássaros
Era
uma tarde vermelha
e os pássaros
e os pássaros
explodiam
nos vidros
de nossas janelas fechadas
de nossas janelas fechadas
Já
havíamos
comido nuvens
sorvido Daimes
e bebido a cobra curtida na cachaça
comido nuvens
sorvido Daimes
e bebido a cobra curtida na cachaça
Você
lambuzava meu corpo
com guache
e me desafiava a ir buscar a correspondência
com guache
e me desafiava a ir buscar a correspondência
Eu
ria
o riso dos demônios
que riam da enxaqueca do
deus que matava os pássaros
o riso dos demônios
que riam da enxaqueca do
deus que matava os pássaros
Você
esboçando os contornos
do yin e do yang
ao redor
dos bicos dos meus seios
do yin e do yang
ao redor
dos bicos dos meus seios
“Vá
buscar a correspondência”
se tornara Ordem
E eu respondia
tecendo em silêncio
uma guirlanda de espinhos
para coroar sua cabeça loura
se tornara Ordem
E eu respondia
tecendo em silêncio
uma guirlanda de espinhos
para coroar sua cabeça loura
“Vá
buscar”
Você gritava no abandono das cores
Você gritava no abandono das cores
“Vá
buscar”
Você uivava
tirando da gaveta
a arma herdada do avô senhor de engenho
Você uivava
tirando da gaveta
a arma herdada do avô senhor de engenho
“Vá”
Você me culpou
por todas as suas Estações no Inferno
e
disparou
arruinando de vez
a linha do amor
que atravessava a palma
da minha mão direita
arruinando de vez
a linha do amor
que atravessava a palma
da minha mão direita
E
pelos ares lá vai o gato
E
pelos ares lá vai o gato
Sobrevoa
os cumes do meu delírio
Unhas
em riste
Atravessa
a fímbria
da
noite antiga
que
adorna minha tristeza
(Que
nome de vento
batizou
seus ossos?)
E
pousa
Sinuoso
paraquedista
Arrepia
da envergadura de coluna inflada
Pousa
o silêncio
no
telhado
que
mesmo partido
Jamais
se moverá
sob
a eletricidade de suas patas
(Que
o gato aterrisse
também
suave
assim no meu peito
Que
o veludo do gato vede
esta
assassina sinfonia de colisões)
E
quando eu estiver caindo
que
o gato
(quântico
bailarino)
me
ensine
a
insultar o abismo
com
um passo de dança
Simone Teodoro é mestra e doutoranda em Literatura Brasileira pela UFMG. É poeta. Há textos seus publicados em revistas literárias eletrônicas brasileiras, como Mallarmargens, Germina e na portuguesa Incomunidade. Publicou também no Suplemento Literário de Minas Gerais e no Jornal O Relevo. Participou da exposição Poesia agora, que esteve em cartaz no Museu da Língua Portuguesa em 2015. É autora dos livros de poemas Distraídas Astronautas (Patuá, 2014) e Movimento em Falso (Patuá, 2016).
Imagens: m takahashi
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