Cinco poemas de Patrícia Claudine Hoffmann, ilustrados por Cy Claudel












Dos Resgates


Bendita a idade das suturas
se a água fratura suas datas.

Percorro os ossos das cascatas
feito quem resgata de si mesmo

o código de um ofício,
no córrego que passa
por dentro do cálcio,
do ócio proibido,
entre os pés do precipício.
Trôpego. Antídoto.

Trafego uns princípios de louvor
e eles afloram no clamor do instinto,
em labirintos musicais

de um cais infinitamente distinto
dos demais.
Um cais já com muletas.
Navais.

(E as borboletas nos varais
recolhem a polpa dos orvalhos.

Além da culpa. Dos não-itinerários.

Embrulham nas asas o pólen
de uns rosários em flor
aberta pétala por pétala
nos calendários.)

Descansemos dos sentidos.
Anti-horários. Antigos.

Descansemos assim
que chegarem os querubins
para o restabelecer das águas
quebrantadas.

Cada água tem seu exílio.
Auxílio. Apelo.
Com seus cabelos em véu
de espuma e espelho,

uma a uma...
ainda prece.

Acresce-nos do que fomos
e do que não seremos...

nas refinarias dos dias menos
sagrados,
com nossas feridas contadas.
Mancas.

 Serenemos!



(Inédito)















Quarta Revelação


Flor inicial:  o invisível arco de tua lembrança,
entre borboletas e guepardos,
vacila poemas, pérolas, silêncios... 
reparte projetos  em sistemas vazios.

Acrobata da literatura, 
envergas imagens indomáveis às palavras 
que não voltam na mesma frequência.

Indefeso, teu silêncio acorda
gesso, empresta tua distância, 
engasga nos oceanos da língua.

Teu cadáver - amenizado na luz –
fuga as paredes
na espessura móvel do amor
e seu fútil cansaço
após o quarto. 

Tu fazes a não-estação. 
A sensação do teu dever
jamais cumprido.

Flor final: não há conciliação adequada
para vidros moídos.
A multiplicação do frio, com o tempo
quebra as janelas do inevitável
 e já não ofende.

Estás no altar de todas as ausências.
O cálice vazio de tuas forças
 se desprende dos milagres.

O erro está liberto
se um tigre é teu discurso. 



(In O Livro de Isólithus, 2018, E-book, Coleção Prato de Cerejas, Ed. E-galáxia.)















ANTES DO AMANHECER

Amortece-me a noite feito um azulado cavalo negro. Magro. Não, ele não é alado. Agrego ciclos infinitos no que não me vejo. Protejo potros indefesos nas guarnições da chuva, só que não quero falar de chuva. Mais. É cansativo. Preciso estancar as pancadas do pensamento, em terrenos menos movediços. Disso depende isso. Alagar. Não. Legar. Não. Largar. Também não. Ligar. Não encontrei lugar nem palavras que soubessem salvar a altura do invisível que me circunda de tudo em comoção. Foi então que construí essas palavras: párpio, flanura e auriência. Para designar a essência da mais neutra solidão. Inédita, como se fosse de outra desordem. As novidades estão lúcidas... comprimidas em comprimidos de aceitar. Nada mais tem pressa desde que absolvi o futuro. Há tonturas expressas aqui. Sento-me numa escada que nunca vi. Escuto para baixo. Deixo os escudos de lado na escala das fúrias. São árias antigas, cantigas contidas nos restauros da razão. Centauros dormem sobre o colo das esperas. Colocam-me em estado de reintegração no mundo. Às vezes choram um pouco de lutar porque têm as articulações machucadas contra o fracasso. O fracasso não erra mais de uma vez.











Desatentas extremidades dos seres,
em cérebro e vontades.
Um gosto de medo
nas armas de meus algozes
improvisa antigos cemitérios sem vestígios:
assumem as sobras da viagem.

Costuram as próximas noites
no veludo desigual da febre,
quando o azul desintegra-se
no mais vermelho dos mandamentos.



(in Matadouro Imperfeito, 2016, Ed. Letradágua)













A mulher de que sou feita

A mulher que de mil longes
me alforria
chama-me para o exemplo
de um tempo que se ausenta.

Um campo
repartido de palavras...
com flores carpidas dentro,
a concentra.

A mulher em que me hospedo
aprendeu a domar metade das pedras:
emparedou-as nos preâmbulos do rio.
Não lembra mais em que rio.

Aprofunda o desafio
de saber o que já não serve
para sorver...
na curva incerta das falanges.

Absolve-se de tudo que ainda range.

Abrange-se nas margens descalças
- tão mais libertas -
do manco dos tamancos.

A mulher em que me estanco
não se isenta daquela que não fui,
mas flui, atenta,
aos trancos...
no tinto vinho dos quarenta.

Experimenta a vida desde a ida
dessas vinhas.

Dessas vindas...e vindas.



(in Feito Vértebras de Colibris, 2017, Marianas Edições, Bolsa Nacional do Livro.)








A poeta: Patrícia Claudine Hoffmann nasceu em 1975, paulistana, radicada em Santa Catarina, professora, autora dos livros de poesia “Matadouro Imperfeito”(2016. Ed. Letradágua), “Feito Vértebras de Colibris” (2017. Bolsa Nacional do Livro/Marianas Edições), “O Livro de Isólithus” (2018. E-book. Ed. E-galáxia/Coleção Prato de Cerejas), entre outros. Tem poemas publicados também em antologias e revistas digitais. Mantém a fanpage “Espólio do Sol”.









A ilustradora: Cy Claudel-artista plástica,ilustradora,arte-educadora,formada em Pedagogia pela UNESP-Rio Claro/SP












Ilustrações de Cy Claudel
Todos os direitos reservados © Cy Claudel






Comentários

  1. Fiquei imensamente feliz com o convite e parceria.Estar junto de poetas imensos como Alberto Bresciani e Patricia Claudine Hoffmann é puro êxtase.

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