Cinco poemas de José Carlos Brandão




Meu tempo

O soldado me apontou o fuzil e atirou.
Os fuzis existem para atirar,
os soldados existem para matar.
Vivemos num campo cercado de arame farpado,
vivemos num mundo em guerra sem trégua,
estamos irrevogavelmente condenados ao extermínio.
Restam de nós estranhas palavras nas paredes,
não restarão as casas mas apenas as paredes
e aquelas palavras que serão os nossos nomes
impronunciáveis como fendas.
Fomos condenados ao exílio em nossa própria terra.
Crescem ervas daninhas entre as ruínas de nossas casas.
Deus abaixe a sua mão cruel, Deus tenha piedade.
Vivemos em um mundo em extinção,
o sal salga o chão que pisamos
e não conserva vida nenhuma.




Este país tem vergonha da poesia

A palavra chega sempre tarde demais
se permanece apesar do fracasso ou por causa dele
é a poesia.
A mudez da poesia queima os olhos e a alma
e voa como uma libélula
em silêncio e pasmo.
O poema fala do impossível
quando se acabaram todas as palavras
e a borboleta é queimada pelo sol e brilha.
O poeta traz o mundo dentro dos pulmões
costura com um fio de ouro
o real.
Abro a caixa de ferramentas e machuco a mão
na ponta das palavras.
Sei que este país tem vergonha da poesia.




Este país é um poema

A morte é um delírio ao entardecer
o tempo parou as casas as árvores a cidade
o tempo está ébrio de sol e silêncio
o tempo grita um grito como vidro moído.
Os homens e as mulheres amontoavam-se na avenida
loucos
como se um tiro os tivesse posto em êxtase
e uma manada de búfalos
os tivesse despertado.
Eu sou o olvido
caem e rodopiam no ar as folhas dos plátanos.
Este país é um poema
o poeta se reconhece no espelho fosco.
É imagem distorcida, mas ainda é a terra
e a gente que ama no reino do mito mais recente.




Este é um país sem história

Há um tempo para matar e um tempo para morrer
antes é preciso matar para depois morrer em paz.
Há um tempo de cadeados na língua
e um tempo sem língua
as latas de lixo da história estão atulhadas
é preciso esvaziá-las, reciclá-las.
A história não se escreve mais com maiúscula
é lixo que pode ser reciclado.
Há um tempo para juntar o lixo
e um tempo para livrar-se dele
as bombas lacrimogêneas e as metralhadoras não param.
É preciso produzir lágrimas para alimentar o mal.
Há um tempo de grades e cordas no pescoço
é um tempo de futuro para poucos
e passado reciclado.
Há um tempo de angústia como uma nuvem se abaixando
nenhuma  estrela no céu
e a lua, entre papéis velhos, chora atrás da porta.




Este é o país do não

E não há nada de novo sob o sol.
Fechem o poema rasguem o poema queimem
cuspam no poema.
O sol não cura as feridas
o anjo chora sobre as ruínas
o anjo quebra a sua cítara e chora
à beira do caminho chora a esperança dos desesperados.
Não se pode dizer o anjo
foram castradas as línguas que poderiam nomear o anjo.
Não. Este é o tempo do não
tenho carvão nas mãos para desenhar o anjo
nesta silenciosa dolorosa guerra civil.
Uma corda pende sobre o abismo
numa ponta uma árvore de aço
noutra ponta um laço no pescoço do anjo.
E não há nada de novo sob o sol dos infelizes.

[Poemas do livro O país impossível, publicação on line, clique aqui para ler]







José Carlos Mendes Brandão publicou oito livros de poesia e um de crônicas, além de mais um romance, um livro de contos e um de poemas online. Recebeu vários prêmios, como “José Ermírio de Moraes”, do Pen Centre de São Paulo, 1983; V Bienal Nestlé de Literatura Brasileira, 1991; “Jorge de Lima” da U.B.E. – Rio. 2011; “Brasília de Literatura” por um livro de poesia e “Cidade de Belo Horizonte” por um romance inédito. Tem poemas nos sites Germina, Diversos afins, Revista 7faces e Garganta da Serpente. Mantém o blog http://poesiacronica.blogspot.com.



Imagens: Sue Kalicki

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