Três poemas de Mário Baggio








Informe da situação

Fiquei sabendo que perguntaste por mim.

Pouco te posso contar,
embora não me faltem recordações.
De amor recolhido me afogo.
De solidão, transbordo.
Ainda sofro com o inverno,
e só o sol é capaz de me dar alguma alegria.

Às vezes, quando me acumulo de palavras,
chateio meus amigos com minha verborragia.
Para conselhos, prefiro o espelho.
Deixei de chamar por teu fantasma.
Estou perigosamente calmo.
Mudei de casa, troquei de carro, comprei um cachorro.
Enchi milhares de folhas com as letras, palavras, frases
que me assaltam nas noites de insônia.

Como tu podes ver, alguma coisa mudou.
Ah, ia me esquecendo: voltei a sonhar.
Hoje tenho tudo de quase nada,
que é o mais perto que se pode chegar de ser feliz.

O que te posso dizer é: entre mim e ti
guarda segredo, por favor!
o único que me faz falta de verdade
são os beijos.

Os teus.






O barraco da Ceição

Quatro cômodos num só barracão,
como é pequena a casa da Ceição!
O banheiro é separado,
que as necessidades são feitas em privado.

A mãe velhinha e o marido desempregado,
o filho ainda bebê, a filha com corpão-violão,
e o irmão que só cuida do penteado —
todos vivem ali no barraco da Ceição,
repartindo juntos o mesmo quadrado.

Pra se ter um pouco de alívio
é preciso se trancar no banheiro,
o vaso é a poltrona que falta na sala.
Como lá ninguém toma Activia,
gasta-se muito tempo naquele cantinho,
cagando e pensando na existência,
na eterna falta de dinheiro
e na sorte de se ter por perto
uma mulher como a Ceição,
que só sabe sorrir,
e este barracão,

onde cabe um mundo inteiro.






O que não se vê

A noite desce em aguaceiro.
As ruas, os carros e os pedestres se empapam:
isso é o que se vê e o que se sabe.

Mas não se sabe
quantas adolescentes, a salvo da chuva,
ficaram grávidas,
impossível adivinhar
quantos homens, saindo do trabalho,
se protegeram do temporal no escuro do cinema pornô,
difícil somar
o número de mulheres espancadas
sob o teto seco das casas em que moram.

As câmeras de segurança,
instaladas no alto dos portais,
não capturam tudo,
não registram as coisas que não se veem
nas avenidas e becos.

A madrugada mastiga a noite,
a chuva estanca,
mas as ruas continuam molhadas.
São demasiadas as lágrimas
que inundam a cidade.












Mário Baggio é paranaense de Ribeirão Claro. Vive há mais de quarenta anos em São Paulo. Publicou três livros de contos: A (extra)ordinária vida real (2016, Autografia), A mãe e o filho da mãe e outros contos (2017, Autografia) e Espantos para uso diário (2019, Coralina). Alimenta diariamente o blog Homem de Palavra com sua produção literária.








Imagens: Google

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