Três poemas de Leonardo Tonus








Partir

é só na lembrança da partida
que se revela a partida.
e o lugar que se habitava

a casa
a palavra
teu corpo

ser pó em teus olhos
hoje basta
para saber-me
morrer







Conchas


Hoje queria ser concha
para que me ouvissem
mar.

Murmurar segredos
às conchas do Mediterrâneo
que sorriem
à chuva de homens.

Do fundo de minha cama
ouço as conchas do Mediterrâneo.

Suas bocas escancaradas
zombam dos pescadores
e dos peixes
cujas entranhas ainda conservam
o olho
da menina
afogada
e negra.

Você já ouviu o silêncio das conchas do Mediterrâneo ?
E o sopro de uma bomba num mercado de Istambul ?
Eu não conheço o zunir do Siroco nos campos de Lampedusa.
Eu não ouvi o grito estrangulado da menina moldava ao ser estuprada na selva de Calais.

Você já ouviu o silêncio das pedras de Alepo ?

O silêncio só existe
na possibilidade da palavra
     ou em sua negação.

Do silêncio
silenciado
resta apenas
o terror

das pedras de Alepo.

Você nunca ouviu o silêncio das pedras de Alepo !







Homens também choram

Homens também choram
seus cães
e o filho que partiu
no oco da madrugada.

Homens também choram
as guerras
e, à tarde,
suas lágrimas escorrem
pelos nós das gravatas.

Homens também choram
pássaros,
o vento nos trigais,
o gosto acidulado de um agrume
e o gozo solitário
na cama
vazia.

Homens, sobretudo, choram
ao se barbearem.
Eles choram suas mortes
e choram
homens que não choram
o amigo,
o irmão.

Eu choro meu pai
e o seu pai
e o pai do seu pai.
Eu choro todos os pais
que nunca serei.








Leonardo Tonus é professor Livre Docente em literatura brasileira na Sorbonne Université (França). Em 2014 foi condecorado pelo Ministério de Educação francês Chevalier das Palmas Acadêmicas e, em 2015, Chevalier das Artes e das Letras pelo Ministério da Cultura francês. Curador do Salon du Livre de Paris de 2015 e da exposição « Oswald de Andrade: passeur anthropophage » no Centre Georges Pompidou (França, 2016) » é o idealizador e organizador do festival  Printemps Littéraire Brésilien. Publicou diversos artigos acadêmicos sobre autores brasileiros contemporâneos e coordenou (e co-ordenou), entre outros, a publicação, entre outros, de Samuel Rawet: ensaios reunidos (José Olimpio, 2008) e das antologias La littérature brésilienne contemporaine — spécial Salon du Livre de Paris 2015 (Revista Pessoa, 2015), Olhar Paris (Editora Nós, 2016), Escrever Berlim (Editora Nós, 2017) e Min al mahjar ila al watan - Da Terra de Migração Para a Terra Natal (Revista Pessoa/ Abu Dhabi Departement of Culture and Tourism/Kalima, 2019). Vários de seus poemas foram publicados em antologias e revistas nacionais e internacionais e, em 2018, lançou a coletânea de poesias Agora Vai Ser Assim (Editora Nós, 2018).






O autor: fotografia de Juliana Lubini 
Imagens: Evan Atwood (Google)

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