Três poemas de Assionara Souza


Três poemas de Assionara Souza


A palavra impressa
Transfere-se, violenta,
Da página para os olhos

Leio teu nome
E agita-se em mim
O lago das sensações

Teu nome: essa pedra
Lançada com força
Na vidraça anônima dos dias

Teu nome: esse pássaro-palavra
Dissolvendo com seu voo
A matéria bruta da dor



Quando quiser encontrar alguém
Leve sua música, esqueça as palavras
Existe uma música em toda presença
A música deseja abraçar a multidão
E com esse abraço, chamar para a dança

Quando quiser encontrar alguém
Esteja pronta para ouvir a música
As palavras que saem do corpo vão distrair
As palavras que saem do corpo
Querem mesmo é levar o corpo
Para um lugar distante do corpo

A moça de vestido verde-esmeralda
Poderia ter saído de um quadro do Klimt
Os olhos da mesma tonalidade do vestido
Sofrem a vertigem da cor
Como os suicidas que encontram o chão
Depois de uma longa e infinita queda
A beleza desmaia sobre sua figura
Abraça seu corpo com as garras terríveis
De um pássaro devorador de horas

Mas quando as garras prendem
O som atinge vastidões
É essa a música
O cigarro entre os dedos
O caminho da mão até a boca
Os olhos comunicando um leve desespero
Mas um desespero estético
Um desespero de perceber a insuficiência do mundo
E mesmo assim ter que lidar com isso

O melhor de tudo e mais bonito
É o que ainda não foi mencionado

Não vou falar da infância adormecida em suas mãos
Não posso sufocá-la com palavras
Nem calar a música em torno de sua presença

Se as pessoas do mundo gritam palavras
Os deuses respondem com música e dança*

*Patti Smith




Bashô e o menino

E você faz o quê?
Eu sou poeta.
E poeta faz o quê?
Poema.
Faça um aí pra eu ver.
Não é assim. A gente fica quieta,
Esperando.
Tipo caçar rã?
É. Mas com o olhar.




                                                                                 
Assionara Souza. Escritora, nascida em Caicó/RN, em 14 de outubro de 1969. Formada em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná, foi pesquisadora da obra de Osman Lins (1924-1978). Autora dos volumes de contos Cecília não é um cachimbo (2005), Amanhã. Com sorvete! (2010), Os hábitos e os monges (2011), Na rua: a caminho do circo (2014) — contemplado com a Bolsa Petrobras, 2014; e Alquimista na chuva (poesia, 2017). Sua obra tem sido publicada no México pela editora Calygramma. Participou do coletivo Escritoras Suicidas. Idealizou e coordenou o projeto Translações: literatura em trânsito [antologia de autores paranaenses: www.literaturaemtransito.com]. Estreou na dramaturgia escrevendo a peça Das mulheres de antes (2016), para a Inominável Companhia de Teatro. Morreu em 21 de maio de 2018, em Curitiba/PR.


[Imagens: Mabel Amber]

* Com a preciosa colaboração de Silvana Guimarães

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