Quatro poemas de Ruy Proença
Quatro sonatas para jasmim-manga
TE ENCONTRAR EM QUE DICIONÁRIO?
uma bicicleta
uma mulher no selim
passou em frente à janela
de meu escritório
no quinto andar
olhou para mim
quem era aquela
de vestido solto
e rosto semioculto
debaixo da cabeleira?
por que dizia
em pleno dia
ao passar diante
de minha janela:
“a lua eu tenho
toda” ?
GOZO
só penso jambo só sinto jambo
só vejo jambo só canto jambo
só como jambo
jambo, as jabuticabas de seus olhos
jambo, os calcanhares
jambo, o umbigo
jambo, os glúteos
jambo, as panturrilhas
jambo, os dedos do pé entre lábio e língua
jambo, as escápulas
jambo, a pele macia de jambo do dorso
jambo, os joelhos
jambo, as mãos com a longa linha da vida
jambo, as auréolas do seio
jambo, as coxas
jambo, a boca
jambo, a concha bivalve
jambo, a flor de jambo em botão
jambo-roxo
a cabeleira é a copa
da árvore de verão
pé de jambo
neste rigoroso inverno
de um único dia
VEREDAS
uma trilha
de carambolas
e gomos de mexerica
à moda de um colar
sem fio
gomo de mexerica
estrela de carambola
gomo de mexerica
estrela de carambola
lua
sobre
sol
guia meu tato
olfato
paladar
visão
quando atravesso
as dunas
lagos
planícies
deste planeta enigma -
teu corpo
banhado
em raios
de eclipse
solar
DISCROMATOPSIA
desde pequeno
minhas irmãs fizeram questão
de deixar bem claro:
eu era daltônico
e daí?
John Dalton
químico, meteorologista e físico inglês
do século XVIII
também era
aliás,
foi o primeiro a estudar
o distúrbio
fazendo graça
minha médica me pergunta
como será para um discromatópsico
ver os girassóis
ou a noite estrelada
de Van Gogh
Van Gogh
não era daltônico
mas se permitia ver o céu
amarelo
minha médica faz perguntas desconcertantes
pergunta qual o meu tipo:
protanopia
deuteranopia
tritanopia
respondo sem titubear:
meu tipo é você
Ruy Proença (1957) nasceu na cidade de São Paulo, onde vive. É poeta, engenheiro de minas e tradutor. Publicou, entre outros: A lua investirá com seus chifres (Giordano, 1996), Como um dia come o outro (Nankin, 1999), Visão do térreo (Editora 34, 2007) e Caçambas (Editora 34, 2015). Participou de antologias como: Anthologie de la poésie brésilienne (Chandeigne, França, 1998) e Poesia brasileira do século XX: dos modernistas à actualidade (Antígona, Portugal, 2002). Seu novo livro, Monstruário de fomes (Editora Patuá), com poemas em prosa, será lançado em 24/10/2019.
Imagens: Anselm Adams
Ótimos poemas.
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