Dois poemas de Tarso de Melo








ÁGORA

a moça de vestido sabe
o senhor de terno também
o menino de bicicleta sabe
o vulto do motoboy também
aquelas costas também sabem

o cara ao telefone sabe
os velhinhos do dominó sabem
a vendedora de yakult também
o barbudo de patinete sabe
a moça de mochila azul também

os bebês gêmeos sabem
o cachorro do mendigo também
o mendigo sabe, sempre soube
as babás de branco sabem
os seguranças de preto também

o moleque de air jordan sabe
a menina de fios roxos também
o motorista do busão sabe
os passageiros todos também
e até o guarda talvez saiba

quem vende frutas sabe
quem vende sexo sabe
quem vende carros sabe
quem vende café sabe
e quem nada vende também

os poetas bêbados sabem
as freiras de preto sabem
e as de marrom também
os namorados quentes sabem
os mal-amados também

quem diz que ama sabe
quem diz o que ama sabe
quem diz a quem ama sabe
numa hora dessas, tarde,
todos sabem ou deveriam

: a vida não pode ser isso

moeda antiga, órfã de coleção,
que o desprezo dos mercados
sepulta no bolso do tempo
ou na gaveta que o inimigo
indócil martela e vigia





TODOS OS OUTROS SERES

poetas são seres que sofrem
como, ademais, todos os outros seres

poetas são seres que riem
como, às vezes, todos os outros seres

poetas são seres que fogem
como, aliás, todos os outros seres

poetas são seres que se chocam
como, de resto, todos os outros seres

poetas são seres que se matam
como, suspeito, todos os outros seres

poetas são seres que vivem
(almoçam jantam amam dormem

andam deitam beijam correm
acordam torcem odeiam fazem

suas tramas suas necessidades)
como, bem ou mal, todos os outros seres

poetas, de vez em quando, falam
como todos os outros seres

e, quando falam, falam por
todos os outros seres







Tarso de Melo é poeta e ensaísta, nascido em Santo André/SP em 1976. Lançou, entre outros, Íntimo desabrigo (2017), Dois mil e quatrocentos quilômetros, aqui (com Carlos Augusto Lima, 2018) e Alguns rastros (2018). Lançará, em breve, a antologia Rastros, reunindo grande parte dos poemas que publicou desde sua estreia, há 20 anos. Advogado, doutor em Filosofia do Direito pela USP. Curador dos projetos “Vozes Versos” (na Tapera Taperá, com Heitor Ferraz Mello), “Passaporte: Literatura” (Goethe-Institut SP, com Marcelo Lotufo) e “Algaravia!” (Biblioteca Mário de Andrade).





Imagens: Marc Sommer

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