Quatro poemas de Edimilson de Almeida Pereira














SÍTIO

Nesta chácara morou Antônio Francisco,
a lepra morando nele. No ar jabuticabas,
outra matriz. A escada mudou, embora
leve a mesmo recinto. Abismos são 
pessoais.
Na chácara moramos, os outros em nós.
Às vezes adernamos. Não adianta saltar 
atrás
das perdas. Os cômodos prosseguem com
menos coisas e mais enredos. A falta de 
uma
peça rende mil conversas. Antônio 
Francisco
faltou de corpo inteiro, sem ataduras que o
prendessem. Falência é resgate às avessas.
O espírito come para alcançar a matéria.












SETE SELADO

O chão onde moramos 
é um espelho às mangas.
Uma luta se pressente

crescendo sob cabaças.
Imóvel entre crianças que
eram e não se vê mais.

Uma luta, como a vida
precisamente falha.
Ali, quase sem forças.

Uma luta. Entanto, nada,
ninguém lança um grito.
Mas se a pressente e se

confirma em feridos.
O chão caiado e branco
empresta a tudo silêncio.












ANTILIRA

       Óleo nas fechaduras, nos cardumes. 
Movê-
los contra a sentença sem nome. Antes que 
o dese-
jo encoste as  malas e  a insidia prossiga  
 suas esca-
vações.

       Inferno aos lábios, catástrofe  aos 
       decretos.
Antes que o ar seja esculpido. Antes que o 
coração 
não  saiba  aferir os  sisos. E a manhã 
prossiga, no
entanto.

       Óleo nos infernos, catástrofe nos 
arquivos.
Antes que tenham heras. Antes que a  
 sinfonia  da
ordem devore. E não  seja  possível  mais 
adernar
na estrada.

       Esperar  um  jipe, apenas. Não  atentar  
 se
ruge. Usufruir as cornijas da sombra. Antes 
que a
a sentença seja legível, tatuar  vagalumes. 
Acutilar
a manhã.












INSURRECTOS

       Espátulas tiram camadas de pinturas,  
 umas  sobre
outras dizendo e calando coisas. O que  
 machuca as  pare-
des não é o tempo, mas os exílios.

       Raspa-se  a  história, aqui e ali se  
       movem  cavalos.
Uma negativa ao  templo. Uma  vida  
 dentro,  outra entre
macerações. Raspa-se o pathos.

       Este e outros  deuses  respiram  livres 
       da cadeia de
cores. De agora em diante,  as leituras  
 serão  mudadas. O
mudo léxico rasurou o que estava impresso.

       Raspa-se o  cárcere.  Efes e erres. A 
       concha-índice
da era em que tivemos rêmoras. Raspa-se, 
pois há códigos
que não se abrem aos instrumentos rápidos.










EDIMILSON DE ALMEIDA PEREIRA nasceu em Juiz de Fora, MG, em 1963. É docente da Faculdade de Letras na Universidade Federal de Juiz de Fora. Publicou pela Editora Azougue, Rio de Janeiro, em 2017, o livro  Entre Orfe(x)u e Exunouveau: análise de uma epistemologia de base afrodiaspórica na Literatura Brasileira. Livros de poesia recentes: Guelras (Mazza, Belo Horizonte, 2017), E (Patuá, São Paulo, 2017), Qvasi – segundo caderno (Editora 34, São Paulo, 2017), Poesia+ antologia 1985-2019 (Editora 34, São Paulo, 2019). Os poemas acima foram extraídos do livro Sete selado (2003).







Imagens: Ligia de Medeiros
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