Sete poemas de William Soares dos Santos
Três sóis
Três
sóis
invadiram
a
minha
retina,
como
se dela
emergisse
a
luz aguardada
de
um novo amanhecer
e
refulgissem
os
raios de uma
sabedoria
ansiada
no
futuro.
Eu vi, também,
os
três sóis
ao
acordar
do
novo dia
da
esperança,
banhada
de versos
que
não
se distinguiam
do
brilho secular
da
lua nova.
Ao ver os três sóis,
confundiu-se
o
peregrino,
esquecendo
o seu
destino
e preferindo o
perder-se
em
cercanias
e estradas
que
não conduziam
a
lugar algum.
Os três sóis
iluminaram
a abadia e
os
fiéis
antigos
pensaram
se
tratar da volta
do
redentor.
Os três sóis
dançavam
no etéreo
da
galáxia
atraindo
o planeta
mais
cheio de vida a
girar
ao redor de
seu
contrapasso.
O parélio que
fez-se
claro
no
horizonte
levou-nos
à vertigem
do
ocaso,
em
que não mais
assombravam
as
constrições
do amanhã,
nem
as narrativas incertas
do
passado.
Ao sermos banhados
pela
luz que emanava
dos
três sóis,
fundimo-nos
em matéria e
espírito
na
irrestrita
densidade
do presente.
Tudo
o que se sabe
Tudo
o que se sabe da vida,
-
e mesmo o que não se sabe -
entra
em jogo na aventura
do
poema.
A
vida é o absurdo do poema.
Mas
o poema precisa
ser
lido para ser poema,
para
gerar a energia
que
avassala os poros
de
ouvintes e leitores
em
espantosa descoberta.
A musa entusiasmada,
rouba
os sentidos do poeta
e
faz dele um “cavalo”
como
um crente de uma
religião
ancestral.
E, assim, transporta o corpo
e
a alma ao limiar da percepção
do
sensível,
em
pura louvação da palavra crua,
essa
guia
que
liberta a imaginação
selvagem.
O
mesmo tema
Morrer
e nascer são parte do mesmo tema.
Ninguém
sabe porque nasce,
ninguém
espera a fundo a morte plena.
Mas
eis que no nascer e correr de entre-vidas
consomem-se,
em tortuosas labaredas,
as
faces mais luminosas do poema.
Boa
Esperança
Estive
em Boa Esperança
e
ali,
em
um dia no qual a
cerração
intensa da manhã
cobria
as copas das árvores,
por algum destino
não
palpável,
remotas
reminiscências
de
uma infância
perdida
se
renovaram.
Vi ressurgirem imagens
antigas
de
uma casa cheia
de
primos
agora
mortos,
agora
esquecidos,
agora
dispersos pelo mundo
e
que,
no
entanto,
insistem
em permanecer em
minha
lembrança
atroz.
Vi
ressurgirem
imagens
de
minha
tia
italiana,
que
tinha na boca
um
idioma distante que
entrou
(e
não
saiu mais)
em
meu
coração,
e
que trazia,
também,
suas
receitas antigas
de
polentas que espantavam
o
gosto da miséria
daquele
nosso pequeno
mundo.
Vi
borbotarem
imagens
de
minha
tia
cigana
que
embalava meus
sonhos
de conhecer
países
distantes e
que
me
fazia
previsões
de
um raro destino.
Vi renascerem
imagens
de
minha
tia negra
que
evocava
(sempre
às
escondidas)
os
espíritos
de seus
ancestrais,
de
uma África
distante,
apenas
para
me abençoar.
Vi materializar-se a imagem
mestiça
de meu avô,
com
sua força
negra
e indígena,
indecifrável
para mim.
Vi brilharem
novamente
os olhos azuis
de
minha avó portuguesa
e
a sua tez branca
que
se fundia com a
luz
da manhã.
Sobreveio-me o carinho,
agora
distante,
de
minha mãe
e
o brilho apagado de seus
olhos
verdes
em
pele moura.
Tudo
isso em um pequeno
canto
do Brasil
que
nunca se quis,
nem
jamais quererá
ser
o
país do
futuro.
(Poemas
do
livro Três
Sóis,
Editora
Patuá, 2019)
Zeus
e Ganimedes
Pastoreava
o belo Ganimedes, tão mancebo,
nos
campos dos montes de Ida, na bela Tróia,
com
a sua pele e penugem clara de efebo,
quando
Zeus divisou a sua beleza de rara jóia.
Como o deus ficou de tão forma transtornado,
não
pôde conter o desejo de posse verdadeiro
e
do céu aberto surgiu em águia transformado
para
raptar e amar em voo o jovem por inteiro.
Zeus, levou-o para sempre, da esfera terrestre,
depois
do antigo deus ter o seu desejo saciado,
Ganimedes
seria o servidor da ambrosia celeste.
A invejosa Hera temeu como nunca havia antes,
sabendo
não haver paralelo em beleza divisado
com
aquelas que haviam sido de Zeus amantes.
(do
livro Raro-Poemas
de Eros,
Editora Urutau, 2018)
Qual
canção
cantaremos
para
o nosso coração,
no
meio da noite
do
deserto
que
repousa
em
nós?
Qual canção
quererá
o
nosso coração
ouvir
quando
o
mistério
de
seu pulsar
apontar
os seus
últimos
acordes?
Qual canção
nos
levará
ao
mistério
da
existência e
ao
incognoscível
da
morte?
Qual canção
nos
oferecerá
o
nosso raro destino
dentre
as limitações
do
ventre
da
Terra?
Os
elefantes
Quem
defenderá
a vida dos elefantes
quando
a África sangrar?
Quem,
no
meio da floresta adentro,
enfrentará
a tormenta das noites
sem
sono e dos dias sem lembrança?
Quem
preservará
a memória dos elefantes?
Quem
ouvirá
o seu canto inaudível e
fará
revelar os antigos caminhos
pelos
quais a matriarca da manada
guiaria
seus filhos
ao
antigo e derradeiro lugar
dos
seus ancestrais?
Quem
chorará,
como choram os elefantes,
diante
do corpo sagrado da matriarca
a
repousar em meio à relva que,
pouco
a pouco, a resguarda
em
seu irremediável
destino?
Quando
seremos
como os elefantes
e
arrancaremos de nós toda
ganância,
todo o ódio, toda a fúria
que
nos faz infimamente pequenos
diante
da grandeza,
perene
grandeza,
dos
elefantes?
(Poemas
do
livro Poemas
da meia-noite (e do meio-dia),
Editora
Moinhos, 2017)
William Soares dos Santos (1972) é carioca, professor da UFRJ e escritor. Possui quatro livros de poesias e um de contos editados. O seu livro Poemas da meia-noite (e do meio dia), publicado pela Editora Moinhos, em 2017, foi ganhador do prêmio literário PEN Clube do Brasil de 2018 e um dos dez finalistas do Prêmio Rio de Janeiro de Literatura de 2018. A Editora Patuá publicou o seu último livro de poemas, Três Sóis. Para saber mais sobre o seu trabalho, visite a sua página: http://williamsoaresdossantos.com.br/literatura.html
Imagens: DanieleDG
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